“Atirador da Noruega se declara inocente em julgamento
Anders Behring Breivik, que admitiu ser o autor da matança de 77 pessoas em julho passado na Noruega, declarou-se penalmente inocente nesta segunda-feira, no início de seu julgamento em Oslo.
‘Reconheço os fatos, mas não reconheço minha culpa’ no sentido penal, disse o acusado (…)
Em uma inversão incomum de papéis, a defesa do acusado procurará assegurar que seu cliente seja responsabilizado criminalmente, enquanto o Ministério Público afirma estar pronto para reconhecer seu desequilíbrio mental com base em um relatório psiquiátrico que o declara psicótico”
Até o momento, ele declarou três coisas distintas e que precisam ser examinadas separadamente:
Legítima defesa
Primeiro, que ele agia em legítima defesa (daí o ‘”reconheço os fatos, mas não minha culpa”).
O problema com essa esse argumento é que, para alegar que houve legítima defesa, ele precisa demonstrar que a agressão não só não foi iniciada por ele, como também que havia um perigo imediato e relevante.
Segundo o argumento dele, a legítima defesa foi contra o perigo representado pela imigração (especialmente de mulçumanos) e pelo socialismo. Só que imigração, cultura, sistema econômico ou religião não são riscos relevantes. Eles, em si, não representam uma fonte de risco tangível. Um imigrante (ou um nacionalista, ou um capitalista ou qualquer outra pessoa) pode representar um risco, mas não algo abstrato como cultura, imigração, música, economia etc. Pessoas, e não ideias ou ideologias, são riscos.
Ademais, a legítima defesa é sempre contra quem ataca. No caso, ele matou 77 pessoas que não o atacavam (e tampouco atacavam outras pessoas). Eliminando-as, ele não mudaria a situação de risco que existia em sua percepção.
Mas, ainda que esses dois argumentos fossem válidos para dizer que não foi ele quem iniciou a agressão, e que ele estava apenas se defendendo (ou defendendo outras pessoas), o argumento é falho no perigo imediato. O comunismo não iria ‘invadir’ a Noruega naquele dia ou naquele momento, e tampouco a Noruega receberia mais imigrantes naquele dia do que qualquer outro dia. A legítima defesa só se justifica contra um perigo iminente.
Alvos legítimos
Bem, a segunda linha de defesa dele é que as 77 pessoas eram alvos legítimos. Esse é um termo de guerra. Durante uma guerra, um soldado pode matar o soldado inimigo porque o inimigo é um alvo legítimo. Ele pode explodir o tanque de guerra porque esse é um alvo legítimo. Só que há dois problemas aqui: primeiro, porque uma guerra precisa ser declarada ou reconhecida. Ou seja, guerras têm regras. E, segundo, essas regras determinam que mesmo o inimigo só pode ser morto enquanto estiver em combate. O soldado não pode matar o inimigo que se rendeu, por exemplo. Bem, a Noruega não estava em guerra declarada contra nenhum país, logo não haveria alvos legítimos. Mas, ainda que estivesse, o réu não era membro das forças armadas da Noruega (ou de qualquer outro país), os mortos eram civis e de seu próprio país, e nenhum deles estava associado às forças armadas de qualquer país ou eram inimigos armados. Logo, não há como falar que eles eram alvos legítimos.
Sanidade
Por fim, o réu alegou que é são e deve ser julgado como tal. Este é o argumento mais interessante do julgamento.
Normalmente, esperaríamos ver o réu alegando insanidade e a acusação alegando sanidade. Mas, nesse caso específico, o réu diz que é são, ainda que suas ações indiquem que não é, e a acusação quer que ele seja julgado como louco. Por que?
Porque os crimes cometidos pelo réu tinham por trás a intenção de servirem como uma plataforma política, um ‘manifesto’. Ora, se ele quer ser levado a sério, ele precisa ser são. Ninguém leva o que um louco diz a sério. Se ele é declarado louco, sua plataforma política vai por água abaixo. Ele não se importa de ser condenado, desde que o que diga seja ouvido. Em outras palavras, ele tenta se tornar o mártir de uma causa. E mártires são visionários (e não loucos) que sofrem as consequências de suas ações em nome de sua causa.
A Noruega – como o Brasil – não tem pena de prisão perpétua. Se ele for condenado como são, ele provavelmente sairá da prisão um dia. Mas se ele for considerado louco, como no Brasil, ele somente sairá do manicômio quando for considerado são e que não representa perigo para a sociedade, e isso pode nunca acontecer.